Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition).
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu parcialmente a ordem em Habeas Corpus para absolver um homem preso por tráfico de drogas e porte ilegal de arma, devido ao reconhecimento da ilicitude das provas obtidas pela polícia.
A apreensão de porção de maconha, munição e arma de fogo se deu após a polícia invadir e revistar dois imóveis do réu, na busca pelo próprio.
Essa busca foi motivada por uma coincidência. O homem foi abordado por policiais e, por ser alvo de processos criminais em andamento, deu o nome do irmão, sem saber que contra ele havia um mandado de prisão expedido. Ao perceber que seria preso, fugiu para local desconhecido.
Para cumprir o mandado, os policiais entraram na residência do acusado, mesmo sem saber se ele ali se escondia. Fizeram revista minuciosa e encontraram munição e drogas. Depois, foram informados pela mulher do suspeito que haveria uma arma de fogo guardada em outro endereço, na zona rural.
Todo esse material levou à prisão em flagrante do homem, que por fim foi encontrado escondido em um cemitério. Ele teve a prisão convertida em preventiva.
As instâncias ordinárias entenderam que a conduta do réu, de fornecer informação falsa, deu aos policiais fundadas razões para atuar em flagrante, o que justificaria a invasão de domicílio sem autorização judicial.
Provas ilícitas
A 6ª Turma reformou essa conclusão. Primeiro porque os policiais não sabiam que a informação era falsa. Acreditavam ter abordado a pessoa contra a qual havia mandado de prisão em aberto. E mesmo essa hipótese não autoriza a invasão de domicílio.
O artigo 293 do Código de Processo Penal prevê que, para executar o mandado, é preciso verificar que o alvo esteja em casa, intimar o morador a entrega-lo e, em caso de recusa, só poderá entrar na casa mediante a presença de duas testemunhas.
Relator, o ministro Rogerio Schietti destacou a necessidade de fazer a distinção o entre autorização para ingressar em domicílio a fim de efetuar uma prisão e autorização para realizar busca domiciliar à procura de drogas ou outros objetos.
Afirmou que o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência, pois implica em medida invasiva e que restringe o direito fundamental à intimidade.
“Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition)”, afirmou.
Por isso, apontou que houve o desvirtuamento da finalidade no cumprimento do mandado de prisão. Ao entrar na casa para prender o suspeito, os policiais revistaram e encontraram armas e drogas. Portanto, não o houve mero encontro fortuito de provas.
“A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação da norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes”, concluiu.
A votação na 6ª Turma foi unânime, conforme a posição do relator. Ele foi acompanhado pelos ministros Sebastião Reis Júnior, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz, e pelo desembargador convocado Olindo Menezes.
É assim que é
Em caso recente, a 6ª Turma já havia se posicionado no mesmo sentido, ao fixar que o cumprimento de mandado de prisão por condenação definitiva não justifica que os policiais aproveitem para fazer busca na residência da pessoa a ser presa.
Também entendeu que a mera suspeita de que uma pessoa poderia ter cometido o crime de homicídio em data anterior não serve de fundada razão para que a polícia invada o domicílio de alguém sem autorização judicial.
A análise da legalidade da invasão de domicílio por policiais militares é tema constante na pauta das turmas criminais do STJ. Caso após caso, elas vêm delineando os limites de identificação de fundadas razões para ingressar na casa de alguém sem mandado judicial.
No precedente mais incisivo, a 6ª Turma definiu que a invasão só pode ocorrer sem mandado judicial e perante a autorização do morador, se ela for filmada e, se possível, registrada em papel. A 5ª Turma também adotou a tese. Nesse ponto, a ordem foi anulada por decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2021.
Além disso, em outras situações, o STJ entendeu ilícita a invasão nas hipóteses em que a abordagem é motivada por denúncia anônima, pela fama de traficante do suspeito, por tráfico praticado na calçada, por atitude suspeita e nervosismo, cão farejador, perseguição a carro ou apreensão de grande quantidade de drogas.
Também anulou as provas quando a busca domiciliar se deu após informação dada por vizinhos e depois de o suspeito fugir da própria casa ou fugir de ronda policial. Em outro caso, entendeu ilícita a apreensão feita após autorização dos avós do suspeito para ingresso dos policiais na residência.
Por outro lado, é lícita quando há autorização do morador ou em situações já julgadas, como quando ninguém mora no local, se há denúncia de disparo de arma de fogo na residência ou flagrante de posse de arma na frente da casa, se é feita para encontrar arma usada em outro crime — ainda que por fim não a encontre — ou se o policial, de fora da casa, sente cheiro de maconha, por exemplo.
FONTE: CONJUR