O momento não favorece que se bloqueiem recursos e meios de aquisição de insumos básicos de sobrevivência de pessoas (físicas ou jurídicas) que já experimentavam dificuldades financeiras antes mesmo da chegada da epidemia no país, principalmente em relação a credores com maior capacidade de enfrentamento da situação sem risco de quebra, como são os bancos.
Com base nesse entendimento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou pedido de um banco credor para bloquear dois cartões de crédito de um grupo de devedores. A ação de execução tramita há mais de sete anos e a dívida já passa de R$ 145 mil.
O relator, desembargador Melo Colombi, reconheceu que não é correto permitir que um cenário como esse persista por tanto tempo. “Os devedores precisam buscar o adimplemento, senão por iniciativa própria, como se espera do caráter do homem médio, pela força da lei. E, até agora, esta força não se tem mostrado efetiva. Daí porque necessária, no caso, a adoção de medidas coercitivas atípicas”, afirmou.
Ele citou o artigo 139, IV, do CPC, que permite ao juiz autorizar medidas coercitivas atípicas e afirmou que o dever de cooperação não é obtido, “como deveria ser num mundo ideal”, por meio de “atitude honrada de o devedor se empenhar em cumprir com sua obrigação”. “Infelizmente, apenas quando ele é atingido de alguma forma em seus direitos é que entende que precisa buscar um meio de pagar seu débito; que não pode se esquivar de seus deveres”, completou.
Em que pese tal dever, Colombi afirmou que as medidas coercitivas atípicas devem ser proporcionais e razoáveis e não podem trazer benefício ao credor, servindo apenas para punir o devedor. Assim, ele considerou o bloqueio de cartões de crédito como uma medida adequada e que, em tese, não violaria direitos dos devedores, que poderiam realizar suas compras por outros meios.
“Mas não sem lhes impingir certo grau de desconforto, trazendo-lhe à memória que têm um compromisso a saldar com seu credor. Funcionaria como um estímulo para a quitação de seus débitos, sem tanta recalcitrância, sendo útil, portanto, ao escopo do processo executivo”, disse Colombi.
No entanto, para o relator, o cenário de epidemia não recomenda a adoção de tal medida. “Diante desse panorama, portanto, temos que é imperiosa a manutenção da decisão agravada, com a observação de que, passado o momento de crise nacional e retomada a situação de normalidade econômica, a questão possa ser revista”, concluiu. A decisão foi por unanimidade.
FONTE: CONJUR