A Constituição Federal estabelece que é de competência da autoridade de vigilância sanitária o controle sobre os medicamentos fabricados, vendidos e usados no país. Portanto, lei que contraria decisões da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) viola o direito a saúde.
Com base no voto divergente do ministro Edson Fachin, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por sete votos a três, declarou, nesta quinta-feira (14/10), a inconstitucionalidade da Lei 13.454/2017, que autoriza a produção, venda e consumo, sob prescrição médica no modelo B2, dos remédios para emagrecer sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.
A ação direta de inconstitucionalidade foi movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Segundo a entidade, a toxicidade desses medicamentos ao organismo humano é desconhecida, e a Anvisa, como órgão fiscalizador da eficácia e da segurança dos anorexígenos, recomenda sua proibição no país.
O relator do caso, ministro Nunes Marques, votou nesta quarta (13/10) pela declaração de constitucionalidade da norma. Segundo ele, o Congresso Nacional, com base no direito a saúde e respaldo de médicos, pode autorizar o uso de substâncias proibidas pela Anvisa. O entendimento foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Porém, prevaleceu o voto divergente de Edson Fachin pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 13.454/2017. O ministro apontou, na quarta, que, de acordo com o artigo 200, I, da Constituição Federal, compete ao Sistema Único de Saúde "controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos".
E a Lei 8.080/1990 atribuiu ao órgão de vigilância sanitária as competências para o "controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo" (artigo 6º, parágrafo 1º, I).
Conforme Fachin, a Anvisa, ao normatizar as regras de segurança, qualidade e eficácia, garante a participação de empresas e consumidores no mercado de medicamentos em condições mais equilibradas. Para o ministro, as competências da agência decorrem do texto constitucional e visam a assegurar a efetividade do direito a saúde.
As decisões da Anvisa são "verdadeiras conquistas relativamente à proteção à saúde" e não podem ser suplantadas sem que a norma que lhes venha a revogar não garanta igual proteção, declarou o magistrado, citando o princípio da proibição do retrocesso.
"Assim, embora não seja, em tese, obstado ao Poder Legislativo regulamentar a comercialização de determinada substância destinada à saúde humana, é preciso que, sob pena de ofensa à proibição de retrocesso, haja minudente regulamentação, indicando, por exemplo, formas de apresentação do produto, disposições relativas a sua validade e condições de armazenamento, dosagem máxima a ser administrada, entre outras".
Fachin também citou a decisão do Supremo que declarou a inconstitucionalidade da Lei 13.269/2016, que permitia a distribuição da fosfoetanolamina, conhecida como "pílula do câncer" — que não foi aprovada pela Anvisa. Na ocasião, os ministros concluíram que o Estado não pode autorizar a oferta de medicamento sem respeitar os pressupostos mínimos de segurança, sob pena de desrespeitar o direito fundamental à saúde.
Na sessão desta quinta, os ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Luiz Fux seguiram o voto divergente.
"Não se pode considerar válida uma norma que ponha a população em perigo", disse Cármen Lúcia. De acordo com ela, o grande problema dos pobres não é a obesidade, e sim a fome. "E não vejo atuação pública para contornar esse problema".
Conforme o princípio da reserva de administração, o Legislativo não pode revisar atos administrativos do Executivo no estrito desempenho de suas atribuições constitucionais, destacou Lewandowski. Ele declarou que, em caso de abusos, o Congresso tem instrumentos para questionar decisões da Anvisa, como convocar seus dirigentes para prestar esclarecimentos ou instalar comissões parlamentares de inquérito.
Gilmar Mendes, por sua vez, avaliou que as decisões administrativas de proteção à vida e à saúde devem observar standards de entidades técnicas nacionais e internacionais. "Não é possível flertar com o 'terraplanismo sanitário'. Não há discricionariedade técnica, por exemplo, para se adotar forma sabidamente ineficaz para combate de uma epidemia ou para adular superior hierárquico".
Na visão de Gilmar, a Lei 13.454/2017 bloqueou a autonomia funcional da Anvisa, uma vez que proibiu a agência de emitir qualquer juízo técnico sobre remédios para emagrecer sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.
O presidente do STF, Luiz Fux, ressaltou que tais medicamentos têm diversos efeitos colaterais. Assim, ao promulgar a Lei 13.454/2017, o Congresso substituiu irregularmente a Anvisa no exercício da atividade administrativa, gerando proteção deficiente do direito à saúde.
Sem justificativa
A CNTS questionou a Lei 13.454/2017, que autoriza a produção, a comercialização e o consumo dos remédios para emagrecer (anorexígenos) sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol.
A CNTS argumentou haver amplo conhecimento sobre a ineficácia desses medicamentos e seus efeitos colaterais prejudiciais aos pacientes. Para a entidade, a lei desrespeita direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal, como o direito a saúde (artigos 6º e 196), a segurança e à vida (caput do artigo 5º) e a princípios como o da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III).
Segundo a confederação, a Anvisa propôs, em 2011, a retirada do mercado da sibutramina e das outras substâncias, anorexígenos anfetamínicos, devido a seus graves efeitos adversos, como dependência física e psíquica, ansiedade, taquicardia, hipertensão arterial.
No entanto, "sem prévia motivação e justificação administrativa plausível, ou interesse público relevante", o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no exercício do cargo de presidente da República, sancionou a Lei 13.454/2017, "autorizando o uso de substâncias cujos efeitos colaterais e toxidade sobre o organismo humano são desconhecidos e colocam em risco a saúde da população".
A CNTS sustentou que, diante do crescimento da obesidade no país (a prevalência da doença passou de 11,8% em 2006 para 18,9% em 2016, segundo o Ministério da Saúde), há grande perigo de que um grande contingente de brasileiros recorra a esses medicamentos.
Dessa maneira, a entidade pediu a declaração da inconstitucionalidade do artigo 1º da lei e, por consequência, da sua totalidade, tendo em vista que o artigo 2º trata somente da cláusula de vigência.
FONTE: CONJUR