Animais não-humanos são sujeitos de direitos e, portanto, podem ser parte ativa de ações judiciais, decidiu a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), por unanimidade.

 

 

 

A ação foi ajuizada pelas advogadas Evelyne Paludo e Waleska Mendes Cardoso, da ONG Sou Amigo, em nome de Spyke, um golden retriver, e Rambo, um pointer – ambos vítimas de maus-tratos comprovados.

 

Os cachorros foram encontrados em condição de abandono e desnutrição, em uma casa em Cascavel, no oeste do Paraná, há 29 dias. Os tutores haviam viajado para o litoral. Segundo vizinhos, eles não tinham abrigo e, em vários desses dias, ninguém lhes serviu comida ou água. Além disso, um deles tinha miíase (popularmente conhecida como ‘bicheira’) em dois ferimentos.

 

“Ao visualizar o imóvel da rua, parecia efetivamente abandonado, com portas abertas no andar superior, roupas deixadas no varal da garagem (aberta) há 1 mês, mato alto em todo o quintal, e os cães estavam presos na parte dos fundos da propriedade, sem acesso à frente, sequer era possível visualizá-los da rua”, descrevem as advogadas na inicial.

 

Conforme o relato, os donos da casa foram alertados da situação pelos vizinhos, por WhatsApp, mas nada fizeram. Diante do cenário, a Polícia Militar (PM) foi chamada e, ao ocasionalmente encontrar um primo dos tutores na casa, confirmou os maus-tratos e encaminhou os animais para atendimento veterinário.

 

As advogadas, então, entraram com ação pedindo reparação por danos morais, no valor de R$ 2 mil por cada animal, e pensão mensal de R$ 300 para custear ração e atendimento veterinário, até que um novo tutor os adote.

 

Em primeira instância, a Justiça decidiu por extinguir o processo, sem análise de mérito, por considerar que animais são coisas pelo Código Civil, e que só pode ser pessoa o ser humano. O magistrado afirmou que personalidade e capacidade são atributos do ser humano, que o reconhecimento de animais como sujeitos de direito extrapolaria a “esfera de competência” do Judiciário e que haveria a necessidade de “respaldo legal”.

 

Em resposta, a ONG apresentou recurso na instância acima. A tese é de que animais não são coisas, porque possuem dignidade própria, conforme definiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 4.983), e o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.115.916 e Resp 1.797.175).

 

Conforme a defesa, “pessoa não é sinônimo de ser humano e personalidade não é atributo exclusivo do ser humano”. “O conceito de pessoa, para o Direito, é o ente que possui personalidade jurídica. Personalidade jurídica, por sua vez, é a aptidão ou capacidade de um ente para possuir direitos e/ou deveres”, assinalaram as advogadas. Elas citam o Código Civil de 2002, que instituiu que, no Brasil, existem dois tipos de pessoas naturais: as humanas e as não-humanas.

 

O argumento foi acolhido pelos desembargadores do TJPR, que deram provimento ao recurso na terça-feira (14/9) e fizeram valer a tese de que animais podem, sim, figurar no polo ativo de ações.

 

As advogadas comemoraram o que consideram um marco no Direito brasileiro. “A decisão é um marco no Direito brasileiro, pois não apenas garante a coerência conceitual e normativa do sistema, mas também consolida, na prática, o que se vem construindo na academia há mais de 30 anos”, disse Waleska Mendes Cardoso.

 

“É uma decisão que, despida de especismo, realiza a garantia de acesso à justiça à todo sujeito de direito, prevista na Constituição Federal. É a aplicação do Direito para além do ser humano”, celebrou Evelyne Paludo.

 

 

 

FONTE: JOTA