Quando o cidadão recebe voz de prisão em situação de flagrante delito, o Estado tem a obrigação de informar seu direito ao silêncio logo no momento da abordagem. Assim, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal desqualificou uma condenação por tráfico de drogas para o delito de uso de drogas.
Na decisão, o ministro relator, Gilmar Mendes, declarou a nulidade de uma suposta declaração feita aos policiais pela mulher presa, sem que lhe fosse garantido o direito ao silêncio.
O caso
A recorrente foi presa em flagrante após ser abordada em via pública por policiais militares. Ela foi encontrada com um papelote de cocaína, mas outras vistorias feitas pelos PMs em seu veículo e sua casa encontraram mais três. Os agentes afirmaram que a mulher teria confessado a venda de drogas, ainda no local da prisão.
Em primeiro grau, o crime de tráfico foi desclassificado para o crime de posse para consumo pessoal, previsto no artigo 28 da Lei de Drogas. O Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença e aplicou a pena de tráfico, prevista no artigo 33 da mesma lei.
No STF, Gilmar concedeu a ordem em Habeas Corpus, de ofício, e restabeleceu a decisão de primeira instância. O Ministério Publico Federal, então, interpôs agravo regimental.
Condenação nula
Gilmar disse estar impressionado com o recurso, "que impugna o reconhecimento de uma manifesta inconstitucionalidade, como se o membro do Ministério Público ainda fosse reconhecido pelo número de denúncias que oferece ou de condenações que obtém".
A Procuradoria-Geral da República alegava que a paciente teria sido cientificada de seus direitos, inclusive do direito ao silêncio. Mas o relator apontou que a mulher foi condenada com base em um interrogatório clandestino, já que as supostas declarações foram feitas no local da prisão, antes mesmo de chegar à delegacia.
Segundo o ministro, a PGR, "em genuíno inconformismo infundado", não teria apontado qual peça demonstraria a informação de que os PMs garantiram o direito ao silêncio antes de fazerem qualquer pergunta à mulher.
Gilmar ressaltou que sequer seria possível saber se o interrogatório informal teria sido feito, já que nenhum termo foi registrado. "Para que uma confissão judicial seja legítima, é necessário que haja lavratura de ata, com aposição da assinatura do réu e de seu defensor", lembrou.
"Da forma como foi implementada a condenação da paciente, basta que um magistrado qualquer afirme que o réu lhe confessou o crime informalmente, sendo totalmente desnecessário o registro de tal confissão em ata, já que o magistrado é agente do Estado e, por isso, suas declarações gozam de presunção de veracidade", exemplificou o relator.
O único ministro que divergiu do voto de Gilmar foi Nunes Marques. Ele entendeu que o HC não seria a via adequada para discutir a questão, e também ressaltou que o acórdão do TJ-SP teria se baseado em outras circunstâncias além das supostas declarações.
FONTE: CONJUR