Por 38 votos favoráveis e 36 votos contrários, o Plenário aprovou nesta quarta-feira (23) projeto que suspende medidas judiciais o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021, devido à pandemia de coronavírus. O texto suspende os atos praticados desde 20 de março de 2020, exceto aqueles já concluídos. O PL 827/2020, da Câmara dos Deputados, teve parecer favorável do senador Jean Paul Prates (PT-RN). 

 

A suspensão será aplicada somente a contratos cujo valor mensal de aluguel seja de até R$ 600 para imóveis residenciais e de até R$ 1,2 mil para imóveis não residenciais. A dispensa não vale no caso de imóvel ser a única propriedade do locador e o dinheiro do aluguel consistir em sua única fonte de renda.

 

O texto retornará à Câmara, tendo em vista aprovação de destaque do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que exclui os imóveis rurais do âmbito do projeto. O autor do destaque alegou que os efeitos da pandemia, em especial a diminuição da renda, concentraram-se no meio urbano, ao contrário do meio rural, onde a atividade produtiva teve que continuar operando com mais capacidade para atender a demanda e evitar o desabastecimento.

 

O texto aprovado pelos senadores prevê que, em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus, será suspenso até 31 de dezembro de 2021 o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, seja os de moradia ou para produção. A suspensão também vale para concessão de liminar em ação de despejo.

 

— Esse projeto trata dos despejos sumários, das remoções compulsórias e relações do inquilinato, restringe em caráter excepcional, restrito ao final da pandemia no Brasil. Mais de 84 mil famílias são ameaçadas de despejo, se multiplicarmos esse número por quatro, que é o número médio de integrantes de uma família, teremos 340 mil pessoas, incluindo crianças. Se considerarmos as subnotificações, esse número pode chegar a meio milhão de pessoas ameaçadas de despejos e remoções forçadas até o final do ano, período que o projeto pretende cumprir. Frisamos que não se trata nesse projeto de nenhuma ocupação futura, mas daquelas já constituídas — afirmou Jean Paul Prates, na leitura de seu relatório em Plenário.

 

No caso de ocupações, a regra vale para aquelas ocorridas antes de 31 de março de 2021 e não alcança as ações de desocupação já concluídas na data da publicação da futura lei.

 

Nem mesmo medidas preparatórias ou negociações poderão ser realizadas. Somente após o fim desse prazo é que o Judiciário deverá realizar audiência de mediação entre as partes, com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, nos processos de despejo, remoção forçada e reintegração de posse.

 

O projeto também dispensa o locatário do pagamento de multa em caso de encerramento de locação de imóvel decorrente de comprovada perda de capacidade econômica que inviabilize o cumprimento contratual. Além disso, autoriza a realização de aditivo em contrato de locação por meio de correspondências eletrônicas ou de aplicativos de mensagens.

 

O relator, senador Jean Paul Prates, rejeitou todas as 21 emendas apresentadas e considerou prejudicado o PL 3.224/2020, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), sobre o mesmo tema, que tramitava apensado ao PL 827/2020.

 

— A proposição não tem o condão de quitar dívidas, de elidir obrigações ou conferir a qualquer um benefício outro que não seja a possibilidade de manter, por mais alguns poucos meses, um teto, ou um labor, de modo a proteger os seus. Certamente não é o caminho ideal que eu ou meu partido acreditamos ser necessário para dar suporte ao povo brasileiro. Mas, em respeito à profunda articulação social que surgiu da convergência de diversas proposições norteadas pelo mesmo espírito humanitário, entendo ser este o caminho possível, que merece ser acolhido por este Senado Federal — destacou Jean Paul Prates.

 

O projeto seria votado em 8 de junho, mas foi retirado de pauta para a realização de sessão de debate, ocorrida no dia 11. O texto constou ainda na pauta das sessões dos dias 16 e 22 de junho, mas teve a sua votação transferida para esta quarta-feira (23).

 

Discussão do projeto

 

O senador Oriovisto Guimaraães (Podemos-PR) deu início à discussão sobre o projeto, ao declarar sua posição contrária ao texto, que ele considerou “inútil”.

 

— O projeto não só cria insegurança jurídica, se restringe a valores muito pequenos, é uma lei restrita ao tempo, cria polêmica desnecessária. Ninguém está aplicando reajuste de vinte por cento porque perde o inquilino. Há leis em demasia. Se profusão de lei fosse progresso, Brasil e Índia seriam os grandes países do mundo. O projeto é inútil, uma perda de tempo e aumenta esse manicômio jurídico em que vivemos — afirmou.

 

O senador Marcos Rogério (DEM-RO) também criticou o projeto.

 

— Rondônia é vítima nesse momento de uma onda de invasão de terras de propriedades produtivas, com sequestros, torturas e mortes. O projeto tenta proteger pessoas envolvidas em pseudos movimentos sociais que praticam crimes, atenta contra a segurança jurídica da propriedade. Não posso assinar embaixo um projeto dessa natureza, que tenta impedir reintegrações legítimas — afirmou.

 

Falando em nome do governo, o senador Carlos Viana (PSD-MG) disse que o projeto apresenta pontos muito sensíveis que não podem ser aprovados, tendo em vista que “não cabe ao Estado ficar criando regulação sobre assuntos que dizem respeito ao proprietário da casa com a pessoa que está alugando”.

 

— O projeto não deixa claro que novas invasões não serão permitidas, e que poderá inclusive incentivá-las. Ninguém se sentirá seguro em alugar uma casa novamente diante de um projeto que impeça, mesmo até o final do ano, a reintegração de posse. Há a resistência do governo ao dizer que a abrangência dele traz inseguranças e conflitos que o Brasil quer administrar de forma pacifica e jurídica — afirmou.

 

Favorável ao projeto, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) ressaltou que o direito à moradia é um direito constitucional. A pandemia, além de violar a vida humana, aumentou o abismo entre milhões de pobres e a concentração de riquezas na mão de tão poucos.

 

— O projeto nada mais faz que atender um preceito constitucional, o direito à moradia — afirmou o senador.

 

Contrário ao projeto, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) destacou que o direito à propriedade também é previsto na Constituição.

 

— O que falta neste país são políticas públicas, o Estado que garanta a moradia para todas as pessoas, está na Constituição. O governo tem que proporcionar isso. Vários estados têm programas de aluguel social, mas têm que ter política de habitação. Por falta disso há interferência nas relações contratuais. O governo não pode interferir na propriedade, já existem leis para a proteção de despejo — afirmou.

 

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apelou à solidariedade de seus pares para a aprovação do projeto.

 

— O Brasil passa atualmente por uma das mais maiores crises sociais e humanitárias da história, com mais de 14 milhões de desempregados e mais de 30 milhões em situação de dificuldade, em situação de insegurança alimentar. Defendo o direito à propriedade, mas estamos falando de uma suspensão temporária. No momento que já contabilizamos a infeliz marca de mais de 500 mil mortos pela covid-19, com famílias desestruturadas, sem renda nenhuma e sem ter para onde ir — afirmou.

 

O senador Jayme Campos (DEM-MT) disse que o projeto é inconcebível, desarruma o arcabouço jurídico e afeta a segurança jurídica já existente, além de prejudicar os proprietários de imóveis.

 

— Isso vai causar uma situação penosa, danosa, no Mato Grosso já tem grupo se organizando para fazer algumas invasões, e hoje a dificuldade para se fazer o despejo é extremamente complexa, envolve uma estrutura gigantesca. Quando o cidadão consegue, chega lá e a sua propriedade está totalmente depredada. É obrigação do governo fazer essa política pública, fazer casas e lotes urbanizados e uma reforma agraria decente no Brasil — afirmou.

 

 O senador Paulo Paim (PT-RS) disse que o projeto é uma das matérias mais importantes já debatidos pelo Senado em tempo de pandemia.

 

— É triste a realidade que estamos enfrentando. O direito à moradia, por mais simples que seja, temos que assegurar. É uma pausa de seis meses para aquele cidadão que não tem salário, comida. O projeto busca apenas evitar que pessoas sejam despejadas, jogadas ao relento. Para tanto, ele suspende só até 31 de dezembro, não é até o final da pandemia, não. É só até dezembro. O projeto tem um olhar humano, visa impedir que famílias não tenham mais direito a nada. Quero lembrar que o deficit habitacional no Brasil é de seis milhões de moradias — afirmou.

 

O senador Paulo Rocha (PT-PA) ressaltou que o projeto contempla cidadãos “que estão passando por dificuldades financeiras e pedindo clemência para não serem jogados na rua”.

 

— Esse discurso que a insegurança jurídica coloca em xeque o direito à propriedade é antigo. Não me venham com esse discurso! Só estamos querendo aprovar uma leizinha de seis meses para proteger esses vulneráveis, que estão se tornando miseráveis por causa da ausência de políticas públicas de governo. Foi necessária a construção de um processo democrático para criar um pais onde todos teriam direito a trabalhar e produzir. Infelizmente, este governo que está aí está retrocedendo anos atrás, que nós já tínhamos resolvido esses conflitos pelo processo democrático. Estamos retrocedendo a momentos tristes no nosso país — ressaltou.

Zenaide cobrou um “olhar humano” ao defender a aprovação do projeto.

 

— Já são 45 mil órfãos da covid-19. A parte social é de responsabilidade do governo, mas nós sabemos aqui da dificuldade de aprovar um auxílio social mais digno, é só ter um olhar humano para não despejar essas famílias. É claro que não vamos apoiar invasão de terras e a propriedade das pessoas, mas são famílias inteiras que estão indo para debaixo das pontes e das marquises — disse.

 

O senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) fez críticas ao projeto.

— Não é apenas a moradia nas cidades, mas as moradias rurais também sofrem com essa situação, por isso somos contrários a esse projeto.

 

O senador Zequinha Marinho (PSC-PA) afirmou que o projeto é prejudicial à segurança jurídica no campo.

— O projeto permite a situação de ilegalidade e um inevitável aumento da violência no meio rural, fragiliza o direito à propriedade — afirmou.

 

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) evocou o sentimento de humanidade e defendeu a aprovação do projeto.

 

— Mais de 14 mil famílias já sofreram despejos forçados. O Brasil é signatário de vários tratados internacionais que tratam de direitos humanos e da dignidade. A Constituição é muito clara quanto trata do direito à moradia. Somos o segundo maior país do mundo com concentração de renda, agora tivemos aumento de novos pobres no Brasil, e o projeto não garante a permanência continuada, é apenas um prazo de seis meses — afirmou.

 

A senadora Kátia Abreu defendeu o projeto, e lembrou que o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a suspensão dos despejos em andamento, devido à pandemia e aos tempos de exceção.

 

— Acho importante defender o estado de direito e o cumprimento dos contratos, só que neste momento estamos vivendo uma pandemia. Chegamos ao ponto de passar por cima da Lei de Responsabilidade Fiscal e permitir que o presidente da República gastasse além do teto constitucional. Nós demos uma carta branca para gastar, mas foi necessário fazer isso — afirmou.

 

A senadora Nilda Gondim (MDB-PB) disse que o relator teve a sensibilidade de levar em conta o momento por que passa o país, que no momento exige o sentimento de solidariedade humana.

 

Contrária ao projeto, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) disse que a proposta interfere de forma danosa nas relações entre locatários e locadores, protege a perpetuação de invasões e fragiliza o direito à propriedade, considerado pilar da liberdade do Estado brasileiro.

 

Em resposta aos seus pares, Jean Paul Prates cobrou empatia e pediu que cada um dos senadores e senadoras fechasse os olhos e imaginasse a situação de uma família de quatro pessoas sendo despejada. Assegurou ainda que o projeto não estimula invasões.

 

— Estamos falando de mais de 80 mil famílias. Ninguém está aqui se colocando contrário ao direito da propriedade. O projeto tem marco temporal claro, congela o que estava acontecendo e o que aconteceu até 31 de março, não se está falando em contestar direito de posse ou propriedade ou de suspender ou deixar de atender os processos judiciais que estão em curso. Ninguém está falando em perdoar dívida. As restrições feitas ao projeto coíbem justamente a questão dos abusos. Os Estados Unidos e a França adotaram medidas muito mais severas — concluiu o relator.  

 

Desocupação ou remoção

 

O texto aprovado no Senado considera desocupação ou remoção forçada coletiva a retirada definitiva ou temporária de indivíduos, de famílias ou de comunidades de casas ou terras que elas ocupam sem a garantia de outro local para habitação isento de nova ameaça de remoção. Estão entre as comunidades previstas no projeto povos indígenas, quilombolas, assentamentos ribeirinhos e outras comunidades tradicionais.

 

Para que haja a remoção, a habitação de destino deverá ter itens básicos como serviços de comunicação, energia elétrica, água potável, saneamento, coleta de lixo, estar em área que não seja de risco e permitir acesso a meios habituais de subsistência, como o trabalho na terra ou outras fontes de renda e trabalho.

 

Imóvel regular

 

Quanto aos imóveis urbanos alugados, o projeto também suspende a concessão de liminar de desocupação até 31 de dezembro de 2021.

 

Isso valerá para as situações de inquilinos com atraso de aluguel, fim do prazo de desocupação pactuado, demissão do locatário em contrato vinculado ao emprego ou permanência de sublocatário no imóvel.

 

Entretanto, o benefício dependerá de o locatário demonstrar a mudança de sua situação econômico-financeira em razão de medidas de enfrentamento à pandemia a tal ponto que tenha resultado na incapacidade de pagamento do aluguel e demais encargos sem prejuízo da subsistência familiar.

 

Dispensa de multa

 

Em relação à dispensa da cobrança de multa em virtude de encerramento do contrato de locação por parte do locatário, o projeto restringe sua aplicação aos contratos de locação residencial comprometidos em razão da incapacidade de pagamento do aluguel e dos demais encargos.

 

Antes disso, porém, proprietário e inquilino deverão tentar um acordo para reequilibrar o ajuste à nova situação financeira, atualizando valores ou parcelando-os de modo a não comprometer a subsistência familiar.

 

Para os contratos de locação não residencial, exige-se que a atividade desenvolvida no imóvel urbano tenha sofrido interrupção contínua em razão da imposição de medidas de isolamento ou de quarentena, por prazo igual ou superior a 30 dias. Também neste caso, a dispensa do pagamento da multa está condicionada à frustração de tentativa de acordo entre as partes para desconto, suspensão ou adiamento, total ou parcial, do pagamento do aluguel.

 

Decisão do STF

 

Jean Paul Prates ressaltou que, em linhas gerais, a proposição está em consonância com medida cautelar proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Roberto Barroso, concedida em junho deste ano. Nos casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020, quando do início da vigência do estado de calamidade pública, a decisão suspendeu por seis meses medidas que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis.

 

A suspensão por seis meses vale também para o despejo liminar sumário, sem a audiência da parte contrária, nos casos de locações residenciais em que o locatário seja pessoa vulnerável, mantida a possibilidade da ação de despejo por falta de pagamento, desde que observado o rito normal e o contraditório.

 

Com relação a ocupações posteriores à pandemia, Barroso decidiu que o poder público poderá atuar a fim de evitar a sua consolidação, desde que as pessoas sejam levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada.

 

Problema habitacional

 

O relator afirmou que o impacto da pandemia na atividade econômica e no aumento do desemprego, sobretudo entre as famílias mais pobres, tem contribuído para agravar o problema habitacional. Antes da crise desencadeada pela covid-19, destaca Jean Paul, o Brasil já apresentava um enorme deficit habitacional, com quase 8 milhões de famílias sem casa ou moradia adequada, das quais 93% apresentam rendimentos até três salários mínimos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2015).

“A situação ganha contornos ainda mais dramáticos e o direito à moradia assume especial relevo quando se consideram as principais estratégias adotadas para enfrentamento da pandemia, quais sejam a adoção de medidas de isolamento e distanciamento social e de higienização”, alerta o senador.

 

Ele citou ainda dados do Relatório da ONU, divulgado em julho de 2020, que aponta o aumento da taxa de pobreza extrema no Brasil de 5% para 9,5% de 2019 para 2020, com 25% da população vivendo com menos de R$ 747 por mês devido à queda drástica na atividade econômica.

 

Já a taxa de desempregados também é a mais alta já registrada no país. Segundo o IBGE, no primeiro trimestre deste ano, 14,8 milhões de pessoas, 14,7% da população, estavam desempregadas, os piores resultados desde o início da série histórica em 2012.

 

“Não por acaso, levantamento da Campanha Despejo Zero, que congrega mais de 40 organizações sociais e movimentos populares pelo país, aponta que ao menos 14.301 famílias foram removidas no Brasil durante a pandemia e mais de 84.092 estão ameaçadas de remoção”, denunciou o senador, citando dados referentes ao período de 1º de março a 6 de junho deste ano.

 

FONTE: AGÊNCIA SENADO